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OPINIÃO: Polêmica na mesa

Por Felipe Gesteira

José Boto, diretor de Futebol do Flamengo (Foto: Reprodução de vídeo)

Basta uma frase polêmica dita no meio de uma longa explicação para que seja feito o recorte e, retirado de contexto, o trecho ganhe um alcance muito maior do que se propusera inicialmente, considerando o todo. É verdade que o interlocutor muitas vezes também insere a frase polêmica de forma proposital, para que aquilo tome proporções maiores e até sirva como cortina de fumaça para desviar a atenção de algum outro assunto que esteja em voga. O jornalismo vive de polêmicas. Hoje em dia, sob a égide da efemeridade, onde mais importa soltar a informação a qualquer tempo, mesmo carente de explicações, a mídia faz uso da polêmica e simplesmente a torna pública, deixando ao leitor a tarefa de contextualizar por conta própria e fazer qualquer juízo de valor. 

A polêmica da vez no meio esportivo aconteceu na quarta-feira (8), no Ninho do Urubu, durante entrevista coletiva do diretor de Futebol do Flamengo, José Boto. Questionado sobre a importância da Psicologia no futebol profissional, o português saiu com uma resposta no mínimo intrigante. 

“Eu gosto de falar por metáforas. Essas coisas todas: fisiologia, psicologia… São coisas muito importantes, que agregam. Mas são as batatas fritas. O importante é o bife. E o bife é a comissão técnica, o elenco. O resto são as batatas fritas. Se forem boas, podem agregar”, disse José Boto.

Logo em seguida diversos portais de notícias publicaram o recorte do vídeo com a fala do diretor do Flamengo acompanhado do título, informando apenas que o gestor compara psicologia a batatas fritas. Entre bife e batatas fritas, fato é que foi um prato cheio para polêmicas. O conteúdo rapidamente viralizou nas redes sociais digitais, provocando opiniões contrárias. De um lado, pessoas acusando o flamenguista de menosprezar o peso da ciência no contexto esportivo; do outro, internautas de fato menosprezando a ciência em tom muito mais agudo do que aquele proferido por José Boto. E dentre os que acusam ou defendem, nenhuma fala de alguém da área. 

Ante o imediatismo das redes, vale um pingo de sensatez. Pedi a opinião de uma psicóloga, que também é pesquisadora e uma das cinco pessoas mais inteligentes que já conheci. Ela, com propriedade, me disse que José Boto está certo. 

“Existem filés tão suculentos que não precisam de batata frita. Existem pratos de filés tão ruins que se não tiver a batata frita, você não aguenta comer. É uma analogia doida? É. Se fosse um profissional [da Psicologia] falando seria estranho? Seria. Mas ele? Está certo! Se você quer ir numa churrascaria, você quer comer um filé, uma picanha, você não vai pela batata, mas que a batata vai deixar aquela carne melhor, com certeza vai”, explicou.

Antes de levar a notícia ao leitor, a função primária do jornalista é ouvir. Todo bom contador de histórias precisa ser, antes de tudo, bom ouvinte. No caso das histórias reais, logicamente não há argumentos contra fatos, no entanto é preciso ouvir, entender, às vezes até ouvir mais uma fonte sobre o mesmo assunto, e só então decodificar a informação para que o leitor a receba e possa fazer sua análise de forma embasada. No jornalismo de hoje, o tempo da notícia mora no imediato, mas tão rápido quanto um corte se espalha, pode mais desinformar do que agregar. Em alguns casos motivar ataques e até violar reputações. É preciso ter pressa e cuidado ao mesmo tempo. E diante de um bom prato de filé com batatas fritas, degustar com calma. 

Texto publicado originalmente da edição de 10.01.2025 do jornal A União.