Por Felipe Gesteira
Não sei como empresários e agentes de jogadores faziam para vender seus peixes no mercado antes do tempo do DVD. O tempo do DVD, este sim, acompanhei bem. Para o leitor mais jovem que sequer sabe o que é um DVD, explico: trata-se de um tipo de mídia física, em formato de um disco, na qual é possível armazenar todo tipo de dados. Na época, DVDs eram populares pela grande capacidade de armazenamento, e também pela possibilidade de reproduzir vídeos por meio de um leitor diretamente conectado a um aparelho de TV.
Na mão do agente de um jogador, o DVD funcionava como um portfólio. Ninguém entregava um disco com imagens de um jogo inteiro, mostrando toda a movimentação do atleta, se ele sabia atacar e também voltar para marcar, se descansava muito em campo, erros e acertos. O DVD para venda do jogador era montado somente com grandes lances, assistências, arrancadas, dribles e, se fosse possível, gols.
Foi nesse período que se popularizou o termo jogador de DVD. Essa alcunha queria dizer que aquele atleta fora um mau investimento, e que o clube teria acreditado nas imagens montadas no DVD apresentado pelo empresário. Enquanto no vídeo o jogador parece um craque altamente promissor, em campo, na vida real, não passa de um pereba. Reza a lenda que foi assim a venda do lateral direito Douglas, do São Paulo, para o Barcelona. Um jogador que nem aqui era bom e foi empurrado goela abaixo numa negociação até hoje mal explicada.
Antes do tempo do DVD, era preciso assistir ao jogo inteiro. Não que a profissão de olheiro tenha se acabado no meio do caminho, mas, antes, eles eram a única opção. Não tinha como tapear ninguém com base em imagens. Teve o tempo do VHS, que funcionava de forma semelhante, mas só com o DVD a prática da venda empurrada se popularizou. Hoje, os olheiros são ainda mais importantes para se evitar esse tipo de negócio ruim. Porém, não está resolvido, o buraco é ainda mais embaixo. As redes sociais digitais chegaram para dar voz às pessoas, democratizar o acesso à informação, tornar possível que qualquer pessoa possa emitir uma opinião sobre um jogador e até ser um agente formador de opinião. Parece bonito, certo? Mas este é um cenário de pelo menos 10 anos atrás. Hoje em dia não são só pessoas falando nas redes. Nos tempos de hoje, de agências especializadas em tráfego de opiniões, quem fala mais que as pessoas são os robôs.
Esse tipo de serviço foi muito utilizado por políticos na década passada. As agências controlavam milhares de perfis para dar opinião sobre uma figura. O objetivo era promover um grande volume no fluxo de informações a fim de dar a impressão à opinião pública de que aquelas frases ditas ali por muitas “pessoas” eram verdadeiras. No futebol, essa prática é utilizada para impulsionar a carreira de atletas profissionais.
Se na década passada essas ‘pessoas’ nas redes já eram milhares de robôs controlados por poucos, a inteligência artificial mostra que a coisa só piora. De uns tempos pra cá já vem sendo possível perceber um grande volume de cortes de vídeos, como nos tempos dos DVDs, e também de opiniões sistematicamente controladas para defender ou atacar jogadores, técnicos e dirigentes de clubes. Com o avanço da inteligência artificial associado à manipulação do fluxo de informação nas redes, robôs se alimentam majoritariamente de conteúdos produzidos de forma propositalmente programada, ou pelos próprios robôs. O cenário da pós-verdade caminha para um esvaziamento de informações e opiniões reais a partir da retroalimentação artificial. Mesmo com aumento na quantidade de publicações, os ambientes digitais são cada vez menos ocupados por pessoas. É preciso estar atento a cada informação, suas fontes, e acreditar nos próprios olhos.
Texto publicado originalmente na edição de 7.2.2025 do jornal A União.