Por Felipe Gesteira*
No dia em que o Sousa receberia o Cruzeiro para a disputa pela primeira fase da Copa do Brasil, a matéria publicada logo pela manhã em um dos principais sites que fazem a cobertura esportiva no país chamava atenção para a diferença no orçamento e nos custos dos clubes. De acordo com o ge, a folha salarial do time paraibano é 40 vezes menor que a dos mineiros. Somente com o prêmio pela classificação, de R$ 945 mil, o Sousa terá como pagar quase quatro meses de salários de todos os jogadores. Esse adicional no caixa pode garantir um sossego no planejamento, ou mesmo servir para reforçar o time visando as competições ao longo do ano.
Quando se fala em folha salarial, estamos recortando a realidade para um único critério que é o valor de mercado de cada jogador. Não o que eles valem substancialmente, pois o valor de cada profissional é imensurável e se futebol fosse baseado apenas em números e cifras, o confronto estaria decidido antes mesmo de começar a chuva que caiu no Sertão da Paraíba naquela fatídica – e maravilhosa – noite de zebra jurássica.
Se a diferença de custos salariais entre os dois times é de 40 vezes, considere que o gargalo é muito maior quando se trata de infraestrutura. O confronto citado na Bíblia entre Davi e o gigante Golias é pouco para ilustrar a diferença entre Sousa e Cruzeiro. O feito alcançado pelo Dino foi mesmo heroico. As vantagens dos jogadores do Cruzeiro em relação aos que vivem o cotidiano no time paraibano são abissais, e isso está impregnado no dia a dia. O atleta inserido num contexto com melhores condições de treino, alimentação, recuperação, conforto, segurança patrimonial, corre mais leve, menos preocupado, pode se dedicar apenas aos treinos e não pensar em mais nada.
Nem o fator do jogo em casa serviu para beneficiar o Sousa. Se fosse num dia quente, partida marcada para começar às 15h, talvez os sertanejos tivessem vantagem. Meio da tarde no Marizão é sol quente que nem todo mundo aguenta, funciona quase como um time boliviano jogando na altitude. O presidente do Sousa, Aldeone Abrantes, disse ao final da partida que pela primeira vez o Marizão não ajudou, pois choveu demais, e não fosse tanta chuva, o resultado no placar teria sido melhor.
Do lado do Cruzeiro há quem diga também que a chuva atrapalhou. Nessa disputa, é preciso reconhecer que não chove só de um lado do campo. Choveu muito, sim, mas o aguaceiro serviu aos dois times, para o bem e para o mal. Diante da diferença entre realidades de um time de Série A e outro que ano a ano briga pelo acesso à Série C, venceu quem disputou melhor em campo, quem mais se entregou, quem acreditou até o fim da partida e, mesmo com um gol aos 43 minutos do segundo tempo, não ficou fechado na casinha, foi pra cima e ainda meteu mais um, pra sacramentar a classificação. Até o árbitro da partida, que fazia vista grossa para o ‘cai cai’ dos cruzeirenses, percebeu que não tinha mais jeito e encerrou o jogo antes de todo o tempo de acréscimo prometido.
A história hoje honra o Sousa e faz justiça também com o presidente Aldeone Abrantes, que tanto lutou para manter o mando de campo no Marizão. Poderia ter vendido, jogado em Brasília, amargado um empate em 0 a 0 como parecia querer o Cruzeiro naquela proposta de jogo aguada. A coragem e a determinação de Aldeone serão lembradas sempre que se falar em vitórias históricas de paraibanos pela Copa do Brasil. Um dia os times da Paraíba foram vistos como adversários a serem atropelados, como o próprio Botafogo, que já levou de 10 a 0 do São Paulo. Hoje, é preciso respeitar. Vida longa ao maior do Sertão!
*Texto publicado originalmente na edição de 23.02.2024 do jornal A União.